25 jul

Alterações à Lei de Imigração portuguesa

Portugal, Vistos No Response

Projetos aprovados facilitam legalização de estrangeiros por meio de contrato de trabalho ou por atividade profissional independente e medida de expulsão ganha novos limites.

Depois das tão comentadas alterações ao Regulamento da Lei de Nacionalidade portuguesa, chegou a vez da Lei de Imigração sofrer sua quarta mutação. Dois projetos de lei que tramitavam em conjunto na Assembleia da República foram aprovados no dia 5 de julho após mais de um ano de discussões, e seguem agora para promulgação.
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Apresentados pelo PCP e pelo Bloco de Esquerda, os projetos de lei 240/XIII e 264/XIII alteram dispositivos relacionados à ordem de expulsão por questões de segurança nacional e ao chamado procedimento de manifestação de interesse, dedicado ao estrangeiro com contrato de trabalho ou profissional independente que solicita a autorização de residência diretamente em Portugal, sem visto prévio requerido junto aos consulados.
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LIMITES À MEDIDA DE EXPULSÃO
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O artigo 135 da Lei de Imigração prevê limites à decisão de afastamento coercivo ou de expulsão, fazendo menção a determinadas situações em que o estrangeiro em situação irregular encontra uma espécie de abrigo especial, não podendo ser expulso.
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Pelo atual texto do artigo, estão protegidos os que:

a) Tenham nascido em território português e aqui residam habitualmente;
b) Tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa ou estrangeira, a residir em Portugal, sobre os quais exerçam efetivamente as responsabilidades parentais e a quem assegurem o sustento e a educação;
c) Se encontrem em Portugal desde idade inferior a 10 anos e aqui residam habitualmente.

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Porém o mesmo dispositivo permite que a proteção seja retirada do beneficiário por questões de segurança nacional e ordem pública, mais precisamente se for constatado que o estrangeiro representa uma ameaça aos interesses ou à dignidade de Portugal e dos portugueses, ou se existirem fortes indícios de que cometeu crimes graves ou que os pretende cometer na União Europeia.
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Sendo estes conceitos jurídicos indeterminados, abre-se uma grande margem de interpretação às autoridades judiciárias e administrativas, que têm apreciado a questão da remessa do condenado ao país de origem por conta da prática de crimes com base em critérios mais palpáveis, como o quantitativo da pena e a reincidência.
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Conforme apontou em parecer a Conselheira Melanie Silva, do Alto Comissariado para as Imigrações, “os conceitos de segurança nacional, ordem pública, ameaça aos interesses ou à dignidade, e atos criminosos graves constituem verdadeiros conceitos indeterminados e que, como tal, têm conteúdo e extensão incertos.”.
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Como exemplo, em janeiro de 2017 o Tribunal Central Administrativo Sul em Lisboa decidiu expulsar um cidadão angolano que havia cometido crimes de roubo e detenção de arma proibida, por considerar que seu comportamento atentava contra a ordem pública, embora tenha nascido e sempre residido em Portugal (Acórdão de 12/1/2017, Rel. Pedro Marchão Marques, Processo n.º 486/14.6BELSB).

O projeto 240/XIII do PCP sustentava então que a expulsão de estrangeiros nestas condições penalizava filhos menores e devolvia os criminosos expulsos para países com os quais, na realidade, não tinham quaisquer relações para além da condição legal de nacional.

Segundo a justificativa do projeto, “não faz qualquer sentido que, com a invocação discricionária de razões securitárias, o Estado Português se arrogue o direito de expulsar cidadãos para países com que estes não têm qualquer outra relação que não seja um vínculo formal de nacionalidade que não corresponde à realidade da vida.”.

Com a alteração aprovada, o artigo 135.º será ajustado para impedir que a expulsão seja conduzida com base nos conceitos indeterminados, passando a ser permitida a ordem extrema apenas para os casos de condenação ou suspeita fundada de prática de crimes de terrorismo, sabotagem ou atentado à segurança nacional.

Ficam assim melhor delimitadas as noções de ordem pública e segurança nacional para fins de expulsão.

Na prática, um estrangeiro que se beneficie da proteção do artigo 135.º passa a poder permanecer em Portugal mesmo que condenado criminalmente, exceto se o crime se relacionar ao terrorismo, à sabotagem e ao atentado à segurança nacional. Vale dizer, a proteção contra expulsão para quem exerce responsabilidades sobre filhos em Portugal não é uma novidade trazida pelo projeto; a novidade é que poderá se manter no país mesmo que condenado criminalmente.
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A nova lei teve como suporte a proteção da infância e os direitos de viés humanitário, e como meta a segurança jurídica, mas deixou escapar uma exceção ao princípio da presunção de inocência já que a simples suspeita “fundada” – conceito também vago – poderá dar base à expulsão.
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TRABALHADORES SUBORDINADOS (CONTRATO DE TRABALHO),
PROFISSIONAIS INDEPENDENTES (“RECIBOS VERDES”)
E A “MANIFESTAÇÃO DE INTERESSE”

O projeto 264/XIII do Bloco de Esquerda foi declaradamente apresentado com o objetivo de corrigir distorções do regime excepcional de concessão de autorização de residência, sem a prévia obtenção de visto perante os consulados. Trata-se da chamada legalização de estrangeiros por via da manifestação de interesse através de contrato de trabalho ou de atividade independente (os “recibos verdes”).
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A previsão encontra-se nos artigos 88.º e 89.º da Lei, e sempre foi tratada com uma hipótese excepcional (se não excepcionalíssima …), já que o artigo 77.º impõe como condição para a autorização de residência a prévia obtenção de um visto, adequado à finalidade proposta. E diante desse caráter excepcional, aqueles que manifestam interesse na autorização de residência por meio de contrato de trabalho ou de prestação de serviços se sujeitam à inconstante discricionariedade do SEF. Consequentemente (e em tempos de greve), a uma espera interminável.
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A lei pretende alterar essa conjuntura.
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Conforme destaca a justificativa, a discricionariedade da concessão é delegada aos chefes de delegação e aos inspetores do SEF, implicando uma enorme variabilidade de critérios que se traduz, não raramente, em decisões arbitrárias e discriminatórias.
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A exposição de motivos do PL aponta textualmente que as atividades de redes de exploração e tráfico humano têm se aproveitado dessa situação de ilegalidade a que se sujeitam milhares de imigrantes, enquanto a “máquina burocrática” do SEF se revela incapaz de responder a tantos pedidos de verificação de situações laborais e acumula atrasos que entravam a regularização pela via dos artigos 88.º e 89.º.
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Diante desse quadro, a nova lei vem para abolir o caráter excepcional do pedido, instituindo “um procedimento regular e ordinário, não meramente oficioso, de obtenção de títulos de residência para o exercício de atividade profissional subordinada ou independente”.

Segundo o texto, o objetivo é claro: reduzir a margem de discricionariedade e de arbitrariedade da administração e conferir aos processos as garantias do Código de Procedimento Administrativo em termos de transparência, prazos e direito de recurso.
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Nesse sentido, o texto da lei ao final aprovado permitirá que o pedido seja formalizado por quem tenha entrado legalmente no país, esteja munido de contrato ou promessa de contrato de trabalho, e esteja inscrito na segurança social independente de ter sua situação regularizada perante o órgão. Será também irrelevante ter permanecido irregularmente no país por algum período, ressalvadas as contra-ordenações (as multas do artigo 192.º). Como esperado pelo Bloco, deverá ser reduzida a margem de discricionariedade do SEF por se tratar de um direito regularmente previsto, e não mais uma hipótese de exceção.
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Quanto aos trabalhadores independentes, o texto será alterado para também retirar o caráter excepcional do pedido e limitar a exigência da permanência legal, bastando, também, a simples entrada legal.
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Em resumo, podem ser enumeradas quatro importantes novidades: (1) o fim do caráter excepcional do pedido, seja para independentes ou contratados, (2) a desnecessidade da permanência legal, bastando que a entrada o tenha sido, (3) a possibilidade de formular o pedido com mera promessa de contrato de trabalho, e neste caso, sem inscrição na Segurança Social, e para os que já possuem contrato, (4) a simples inscrição na segurança social, independentemente de estar regular com suas contribuições.
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Não foram alteradas menções à inscrição na segurança social no caso do profissional independente.

Mantém-se a obrigação do n.º 1 do artigo 89.º, qual seja, a de declarar o início de atividade e se inscrever na segurança social por meio de um contrato de prestação de serviços para o exercício de profissão liberal, ou pela ou constituição de uma sociedade. Nada mudou também quanto aos meios de subsistência e eventual necessidade de inscrição na ordem profissional respectiva (caso dos médicos, advogados, enfermeiros, que são habilitados por suas associações públicas profissionais).

Ainda quanto aos independentes, tem-se levantado dúvidas quanto à necessidade ou não de regularização das contribuições perante a segurança social.

À pergunta responde-se que o novo caráter ordinário do procedimento – e não mais excepcional e altamente discricionário, como dito na justificativa do projeto – poderá levar à conclusão de que, com base em critérios de estrita legalidade administrativa, não poderá mais a autoridade indeferir o pedido com base em elementos não constantes da lei. E nesse ponto, os artigos 89.º da Lei e 55.º, n.º 1, alínea b, do Regulamento da Imigração (Decreto Regulamentar n.º 84/2007) não fazem menção a exigências de “situação regularizada”, como até então havia para os trabalhadores subordinados.
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Daí dizer-se que a mais relevante mudança é o fim do caráter excepcional da manifestação de interesse.
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PERSPECTIVAS

É muito pouco provável que o Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa exerça o direito de veto sobre qualquer ponto da lei, de modo que sua publicação no Diário da República (e posterior entrada em vigência) é uma questão de (pouco) tempo.
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Uma vez vigente – e assim como no caso das mutações no Regulamento da Nacionalidade -, será necessário aguardar um período de adaptação para que o SEF e o meio jurídico-administrativo operacionalize e interprete o alcance das novas regras.
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Alguns cenários de controvérsia, contudo, já são visíveis: a aplicabilidade das novas regras aos pedidos em andamento, a cobrança para que sejam concluídos os processos em análise, e a aparente perda de sentido da velha orientação para que a manifestação seja apresentada após o fim do período de visto de turista.
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E com as facilidades, crescerá para o SEF a necessidade de promover ações constantes de fiscalização.

Sob a perspectiva do trabalhador, sem dúvidas a transmutação da excepcionalidade da manifestação de interesse é um profundo avanço, que definitivamente insere Portugal num lugar de destaque no atual mapa imigratório mundial..

Clique aqui para ter acesso ao Projeto de Lei 240/XIII

Clique aqui para ter acesso ao Projeto de Lei 264/XIII

Clique aqui para ter acesso ao Decreto 121/XIII (texto aprovado)

fonte: www.direitocomparado.pt


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